Falecimento de Nuno Teotónio Pereira
Por ocasião do falecimento do arquiteto Nuno Teotónio Pereira, ocorrida no dia 19 de janeiro (completaria 94 anos no próximo dia 30), a Câmara Municipal de Lisboa não pode deixar de evocar o Homem e o Arquiteto, que tão exemplarmente pautou a sua vida cívica na luta pela liberdade, enquanto resistente e cidadão solidário e empenhado, e tão talentosamente deixou na nossa cidade a marca de qualidade do seu trabalho urbanístico e arquitetónico.
Nuno Teotónio Pereira, a quem a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu, em 2010, a Medalha de Mérito Municipal, sagrou-se como um nome incontornável da moderna arquitetura portuguesa, desenvolvida com talento e originalidade ao longo de sessenta anos de carreira. A arquitetura, o urbanismo e a habitação entendidas numa vertente fortemente social – pensada em detalhe para as pessoas – fizeram parte do trabalho que assiduamente desenvolveu a sós e em parceria com outros vultos da arquitetura portuguesa, de Gonçalo Byrne a Nuno Portas.
Nasceu em Lisboa, no dia 30 de Janeiro de 1922, e faleceu nesta mesma cidade, aos 93 anos, no dia 20 de Janeiro de 2016. Formado em Arquitetura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1949, com média final de 18 valores, abriu, nesse mesmo ano, o seu primeiro Atelier. Antes ainda de terminar o curso, estagiara com o Arq. Carlos Ramos (1897-1969), impulsionador da arquitetura moderna em Portugal e decerto marcante nas futuras opções de cariz profissional, mas também social e político, com que Nuno Teotónio Pereira definiria os termos da sua carreira.
É um facto conhecido e diferenciador da sua postura cívica e intelectual o modo como se posicionou durante o regime de Salazar, enquanto defensor ativo dos direitos cívicos e políticos sob o Estado Novo. Foi por várias vezes detido pela polícia do regime, a PIDE, às mãos da qual foi inclusivamente torturado. Seria um dos presos libertados do estabelecimento prisional de Caxias quando se deu o 25 de Abril de 1974.
Nuno Teotónio Pereira sagrou-se, assim, como um arquiteto do seu tempo. Assumiu-se contra o conservadorismo do Estado Novo, denunciando as condições precárias em que vivia até então a parte mais substancial da população portuguesa e implicou-se na procura de soluções para a habitação da classe média e classes mais baixas, propondo um programa ambicioso e tendencialmente transversal de como acomodar estes habitantes – em Lisboa e um pouco por todo o país. São exemplo disso o bairro de Olivais Norte, projeto de habitação social desenvolvido em co-autoria com o Arq.º Nuno Portas e Pinto de Freitas, o Bairro EPUL do Alto do Restelo, em co-autoria com Nuno Portas e Pedro Viana Botelho, ou o projeto de habitação social que concebeu para Laveiras, em Oeiras.
Nuno Teotónio Pereira foi ainda um dos grandes impulsionadores do MRAR – Movimento da Renovação da Arte Religiosa, criado em 1952, que se definia como «uma comunidade católica de artistas, com o fim genérico de promover, em todos os domínios da arte religiosa, o encontro de uma verdadeira criação artística com as exigências do espírito cristão.» Este movimento viria a integrar nomes importantes das artes plásticas nacionais, por exemplo, José Escada, Jorge Vieira, Cargaleiro, Eduardo Nery, entre outros. Este facto sublinha, uma vez mais, o carácter de Nuno Teotónio Pereira enquanto autor, mas também pensador empenhado no cruzamento de disciplinas das áreas artísticas com uma ética que enquadrava uma filosofia que transcendia a vertente profissional e espelhava uma mundividência.
Citamos as palavras do próprio Nuno Teotónio Pereira: «Antigamente havia um conceito errado ao recorrer aos arquitetos apenas para criar obras sumptuosas. Hoje, os arquitetos devem fazer desde as obras mais modestas às mais grandiosas.» Mais de acordo com os tempos, não era possível: precisamente este ano, 2016, o mais importante prémio de arquitetura, o Pritzker, distinguiu a obra de Alejandro Aravena, conhecida por ter revolucionado a habitação social já que convida os próprios residentes a aumentar e a melhorar as casas por iniciativa própria.
Talvez Nuno Teotónio Pereira não tenha sido apenas um homem do seu tempo mas um homem que, tocado por um espírito ético assinalável, esteve mesmo à frente do seu tempo.
Prémios:
Ao longo da carreira, Nuno Teotónio Pereira foi condecorado e somou diversos prémios de arquitectura, designadamente o prémio da I Exposição da Fundação Gulbenkian (1955), com o Bloco das Águas Livres; o 2.º Prémio Nacional de Arquitetura da Fundação Gulbenkian, (1961); o prémio AICA de 1985 e os prémios Valmor de 1967, 1971, 1975 e 2008 (ex aequo) relativos, respetivamente, às torres de habitação nos Olivais Norte, ao Franjinhas, edifício icónico na rua Braamcamp, Igreja do Sagrado Coração de Jesus e Estação Metropolitana e Ferroviária do Cais do Sodré (em co-autoria Pedro Viana Botelho). Obteve ainda Menções Honrosas (1987 e 1988) por dois edifícios no Restelo; o prémio do Instituto Nacional da Habitação de Promoção Municipal (1992) com um empreendimento de 144 fogos em Laveiras, freguesia de Oeiras; o prémio Espiga de Ouro da Câmara Municipal de Beja (1993) e o Prémio Municipal Eugénio dos Santos da Câmara Municipal de Lisboa (1955).
É membro honorário da Ordem dos Arquitetos desde Novembro de 1994, Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto desde 2003 e Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Lisboa desde 2005. O Estado reconheceu a sua ação em 1995, concedendo-lhe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. Mais tarde, em 2004, foi também condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante, e em Abril de 2010 a Câmara Municipal de Lisboa atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal. Em abril de 2015, Nuno Teotónio Pereira foi distinguido com o Prémio Universidade de Lisboa 2015 pelo exercício «brilhante» na área da arquitetura e como «figura ética».