Casamentos de Santo António
Em Lisboa, o mês de junho é sinónimo de Festas Populares, e poucos momentos são tão esperados quanto os emblemáticos Casamentos de Santo António.
Nesta singular tradição, diversos casais lisboetas celebram o matrimónio, em conjunto, no dia 12 de junho, partilhando uma cerimónia que une a cidade em torno do amor e da cultura popular.
A origem desta iniciativa remonta a 1958 – então sob a designação “Noivas de Santo António” – e teve, desde o início, um propósito marcadamente social.
Logo na primeira edição, 36 casais concretizaram o sonho do casamento graças ao apoio da comunidade: o evento foi criado, precisamente, para possibilitar o matrimónio a casais com menos recursos financeiros, cobrindo todas as despesas (do vestido de noiva ao copo d’água) através de patrocínios. A tradição repetiu-se anualmente e ganhou lugar cativo no coração de Lisboa até 1974, quando foi interrompida após dezasseis edições.
Três décadas depois, em 2004, a Câmara Municipal de Lisboa retomou os Casamentos de Santo António, devolvendo à cidade este acontecimento único para novas gerações de lisboetas. Hoje os Casamentos de Santo António mantêm-se como uma referência incontornável do património cultural lisboeta, contribuindo ativamente para a afirmação da identidade cultural e do espírito comunitário da cidade.
Natural da Roménia, Roberto trabalha como encarregado de obra em Lisboa. Sara nasceu e sempre viveu na cidade. A sua história de amor começou por acaso: foi num serviço de reboque, durante uma festa de verão em 2018, que os dois se cruzaram. O carro da Sara teve uma avaria e Roberto foi o profissional enviado pela assistência. Roberto recorda o momento: “Ela estava de saltos altos, não conseguia descer a rampa do reboque e eu dei-lhe o braço e ajudei-a. A partir daí, tudo começou.”
Namoraram durante quatro anos. Quando surgiu a ideia de se candidatarem aos Casamentos de Santo António, sentiram que era a oportunidade certa: “Uma cerimónia com significado e que tem tudo a ver connosco”.
O processo foi intenso e vivido com entusiasmo. “Aprendemos muito: etiqueta, postura, dançar a valsa. São coisas que ficam connosco para a vida”, diz Roberto. A cerimónia na Sé foi o ponto alto: “A entrada foi grandiosa. Ver os outros casais à espera, os nossos familiares… e ainda o carinho das pessoas. É impossível esquecer”.
A tradição manteve-se na entrega das flores ao Santo António e à Nossa Senhora. A simbologia esteve sempre presente. O vestido, os sapatos e os nervos daquela manhã não tiraram brilho ao dia.
“Voltava a casar outra vez. Mesmo. E outra vez nos Casamentos de Santo António. Foi mágico, único, inesquecível”, reforça Sara.
Para ambos, este casamento não foi só a celebração de uma história de amor. Foi um momento partilhado com a cidade e com um Santo que agora também têm em casa, num lugar especial.
Ambos participaram, durante muitos anos, nas marchas populares – Vera representou a Marcha de São Vicente durante 17 anos, e Hugo foi marchante em Alfama durante 11 anos. Agora, assumem um papel diferente, mas igualmente simbólico, como protagonistas de um dos momentos mais marcantes das Festas de Lisboa: os Casamentos de Santo António.
"Este passo é muito importante porque simboliza as festas populares de Lisboa, que para nós é o momento mais lindo da cidade”, explicou Hugo.
A tradição atravessa gerações e ganha nova vida neste casamento: em 1972, a mãe de Vera foi noiva de Santo António, uma memória que permanece viva nas fotografias que a filha guarda com carinho. Para Vera, este momento tem um sabor especial: “É como se fosse uma tradição, um passar do testemunho para os filhos”, contou, com orgulho e emoção. Mais do que um casamento, trata-se de dar continuidade a uma história familiar profundamente enraizada na cidade e nas festas lisboetas.
O processo de candidatura foi discreto, mas cheio de surpresas. Após uma entrevista inicial, foram chamados ao Cinema São Jorge, em abril, para "tratar de detalhes", e foi aí que receberam a notícia: estavam entre os 16 casais selecionados. "Foi uma surpresa maravilhosa", recordam.
Desde então, têm vivido uma verdadeira maratona de preparativos: ensaios coreografados, provas de vestidos e fatos, escolha de sapatos, penteados, alianças, e muita convivência entre os casais.
"É uma agenda exigente, mas muito bem programada. E é uma mais-valia estarmos todos juntos – há um verdadeiro espírito de grupo", referem. Os ensaios, guiados com rigor e boa disposição pelo coreógrafo Luís Caboco, têm sido momentos de superação e partilha. “Não somos os melhores dançarinos, mas a coisa vai ao sítio”.
Casar pelos Casamentos de Santo António era um sonho antigo para ambos. "Sempre disse que, se um dia casasse, gostaria que fosse pelos noivos de Santo António", confidenciou Hugo. Para Vera, a tradição familiar reforça o significado deste casamento religioso, algo que lhe é particularmente querido.
A mensagem para futuros casais é clara: "Não tenham receio das câmaras ou entrevistas, inscrevam-se! É um dia memorável passado na cidade de Lisboa, nas festas populares. Não há melhor tradição", aconselham os noivos.
Para Vera e Hugo, desfilar pela Avenida como noivos terá um significado especial, especialmente por rever amigos marchantes. "Vai ser único, já estamos ansiosos", conclui Vera, antecipando o dia que ficará marcado para sempre nas suas memórias e na história festiva de Lisboa.
Os Casamentos de Santo António continuam a emocionar, a criar laços e a fazer da tradição uma vivência autêntica e contemporânea. Vera e Hugo são o rosto dessa Lisboa, que celebra o passado com os olhos postos no futuro.
Os Casamentos de Santo António são uma homenagem a Santo António e a Lisboa. Por um lado, evocam a figura do santo padroeiro popular da cidade, carinhosamente conhecido como “santo casamenteiro” que, segundo a tradição, intercede pelos enamorados e abençoa cada união celebrada nesta data.
Por outro lado, refletem o espírito comunitário lisboeta: a cada casal que diz “sim” sob o olhar de Santo António, renova-se um sentimento de união e alegria partilhadas. Não é apenas um dia especial para os noivos – é um dia que envolve todos os lisboetas, que participam e se emocionam com a festa, fazendo dela um verdadeiro evento de toda a cidade.
Revela-se a ligação emocional entre Lisboa e esta tradição: os Casamentos de Santo António entraram no imaginário e na memória afetiva local, simbolizando a continuidade dos laços que unem gerações.
Sob a proteção simbólica do Santo de Lisboa, a cidade reafirma, ano após ano, que amor e tradição caminham de mãos dadas nas suas colinas em festa.