Chef Marlene Vieira

Quem é a mulher portuguesa que venceu a primeira estrela Michelin em 30 anos?

Marlene Vieira nasceu na Maia, há 44 anos. Entrou para a cozinha profissional aos 12 para aprender, foi “quase um estágio”, inspirada pela chef que liderava essa cozinha, Isabel, “pela personalidade dela, que era uma chef muito serena, muito elegante na cozinha, muito diferente daquilo que eu via nos outros. A cozinha dela parecia quase um laboratório.” Depois de estar dividida entre o desporto e a cozinha, a escolha recai sobre esta última e aos 16 anos decidiu profissionalizar-se na Escola de Hotelaria de Santa Maria da Feira.

Desde os 18 anos a trabalhar em hotéis e restaurantes em Portugal e no estrangeiro, deparou-se neste seu percurso com alguma pessoa ou outra que duvidou das suas capacidades. Teve alguns momentos desses por ser mulher. “Eu segui sempre a minha cabeça. Sou muito pouco influenciável. Eu gosto de seguir as pessoas que me influenciam no bom sentido, as que eu acho que é negativo, afasto-as rapidamente do meu caminho. São só obstáculos e eu geri como se fossem obstáculos. Não quis focar muito o meu trajeto naquilo que os outros pensavam”.

Participou como jurada em diversos programa de televisão sobre gastronomia. Aceitou-o como “meio para atingir um fim”, “era uma forma de chamar à atenção para o meu trabalho porque sabia a dificuldade que era uma mulher chamar à atenção neste mundo de fine dining”.

“O palco para as mulheres é pouco ou nenhum e portanto, se me dão esse palco, acho que já não tenho o direito de dizer que não. Prefiro que haja uma mulher a representar outras do que não haja nenhuma”.

Atualmente, a empresa, que gere com o marido, tem quatro restaurantes, vão abrir o quinto este ano. O primeiro restaurante foi no Time Out Market, no Mercado da Ribeira, que abriu em 2014; depois foi o “Sala”, em 2018. Em 2020 abriram o “ZunZum Gastrobar” em julho e, dois anos depois, o ”Marlene,”, a 6 de abril. E porquê Lisboa? “O público para a minha cozinha estava aqui. É uma cidade muito aberta à descoberta, às novas tendências, à contemporaneidade, de pessoas mais viajadas, com mais abertura para as artes”.

A estrela é algo que nos atribuem pelo nosso talento, pela nossa resiliência e por mantermos um nível alto de exigência, mas é para mim e para toda a equipa. Uma equipa [no total entre cozinheiros e sala são 12 pessoas] que se propõe a trabalhar aqui numa alta performance e que nem todos os cozinheiros o querem fazer, nem têm que fazer.

O que significa vencer uma estrela Michelin?

“Eu acho muito importante pelo facto de ser um testemunho real de que é possível, apesar das dificuldades. Obviamente o meu caminho foi duro, mas não tem que ser assim para as outras mulheres. Acho que tem que haver mais oportunidades para as mulheres terem espaço de mostrar as suas capacidades enquanto líderes, pessoas cozinheiras com talento e que ainda hoje se mantêm muitas vezes na sombra de outros chefs e cozinheiros homens. Isto é possível e não precisa de ser tão duro. Ainda assim, se for o caso, não desistam. E se for o sonho de cada uma de nós. Acho que a importância aqui tem a ver com valorizarmos o nosso trabalho, ao mesmo tempo que valorizamos o facto de sermos mães e pessoas com uma vida social. É possível interromper, abrandar um bocadinho o ritmo e voltar, mas é preciso que a sociedade crie condições, a família também ajude e que apoie neste sonho, seja homem ou mulher. Eu sempre disse que a força vem de nós mesmos e de não aceitar quando alguém nos diz que vai ser difícil o caminho, mas claro, há dificuldades e há que saber ultrapassá-las”. 

A estrela “não parecia inatingível. Era um objetivo que eu queria concluir. Adiei este sonho algumas vezes na minha vida porque tive outras prioridades naquele momento, mas não passei completamente por cima dele. Ele foi adiado, eu voltei, e estamos aqui hoje e conseguimos.

A cozinha da Chef Marlene

A cozinha da Chef Marlene é uma cozinha de texturas: “eu digo sempre que é camadas de sabor, camadas de textura. É uma cozinha portuguesa contemporânea. Eu gosto da intensidade do sabor mas de uma textura suave”. 

E o “Marlene,” uma lufada de ar fresco na cidade. “foi o primeiro restaurante fine dining em Lisboa com balcão e com o cliente praticamente dentro da cozinha” e “onde se propõe haver uma conexão entre quem está a cozinhar e quem está a receber este produto. O ideal para nós é que as pessoas venham sem qualquer expectativa, o menu é sempre surpresa. Queremos que a pessoa também tenha aqui uma experiência nova com determinados ingredientes, com determinadas preparações. É a isso que o “Marlene,” se propõe: a tirar as pessoas da zona de conforto. É uma experiência nova, num ambiente descontraído, ainda assim requintado”.

Esta conquista pode trazer visibilidade à cozinha no feminino?

“Acredito que é importante [as cozinheiras mulheres] beberem desta força, deste marco. Acho que até os próprios chefs homens que têm mulheres ao lado perceberam que é importante dar esta visibilidade às mulheres que querem fazer este percurso.”

“Quero ser reconhecida enquanto profissional, e uma trajetória e um trabalho desempenhado que a consequência é este prémio. Isto é um prémio pelo meu trabalho e pelo empenho das equipas. Isto é um prémio do restaurante onde há uma cara, um rosto, que sou eu. É isso.”

Como é a Chef Marlene quando cozinha?

“Eu jogo com a verdade. Eu estou de corpo e alma quando estou na cozinha. Eu entro com tudo, não deixo nada de fora. Eu estou na cozinha de uma forma muito descontraída e ao lado deles como se fosse mais um elemento da equipa. E é o que sou.”

Quanto ao futuro, o que esperam?

“Queremos a segunda estrela, pelo menos. Depois logo se vê. Não vou mentir. Queremos avançar, queremos continuar. Queremos que os nossos menus evoluam, queremos que o restaurante evolua. Se nós estamos em constante evolução será natural para mim pensar que poderá haver mais prémios. Não quero estagnar”.