O Parque Florestal de Monsanto, o maior espaço verde de Lisboa, não é apenas o pulmão da cidade. É um verdadeiro santuário para os entusiastas da micologia. Todos os anos, com a chegada da primavera, surge a oportunidade de observar a diversidade de fungos que habitam este ecossistema. São cerca de 250 a 300 espécies identificadas, embora possam existir muitas mais. Acompanhámos o micólogo Rui Simão, num percurso guiado pela floresta de Monsanto, para observar as várias espécies de cogumelos e entender o papel que desempenham no desenvolvimento de uma floresta jovem.

Os cogumelos, muitas vezes percebidos como simples frutos da terra, na realidade desempenham funções essenciais no equilíbrio dos ecossistemas. “Os fungos têm uma capacidade extraordinária de decompor matéria orgânica”, explica Rui Simão, especialista em micologia, referindo-se às poliporáceas, fungos que se prendem às árvores e decompõem “a estrutura que dá resistência à madeira, a lenhina”. Estes organismos decompositores são vitais para a regeneração dos solos e para a manutenção da saúde das florestas.

Atualmente, esclarece Rui Simão, o reino dos fungos “começa a estar em destaque na ciência”, uma vez que “este papel que eles têm na natureza pode ser adaptado e estudado para apoio na indústria”, nomeadamente na descontaminação de solos, na biodegradação de plásticos complexos e na depuração de águas residuais. Mesmo em compostos bastante complexos, os fungos detêm a capacidade de adaptar o seu sistema biológico e decompor aquela fonte de nutrientes: “As primeiras estripes morrem, as segundas já aguentam mais uns tempos e vão passando essa informação através das suas cadeias de DNA e conseguem aprender a decompor aquela matéria orgânica complexa”, clarifica Rui Simão.

O Parque de Monsanto abriga uma variedade de espécies fúngicas que variam em forma, cor e função. Desde os típicos cogumelos com chapéu e pé, até aos menos conhecidos, como crostas ou corais, a abundância deste ecossistema é impressionante: 

“Estima-se que haja entre 250 e 300 espécies catalogadas, mas isso não significa que não existam mais, talvez até mil espécies diferentes, que ainda não foram descobertas”, explicita Rui Simão.

Os cogumelos mais comuns em Monsanto “são umas gaiolas-de-bruxa”, diz o especialista: “Têm tubos e poros, são fungos que são mais rijos, são coriáceos, ou seja, têm um período de duração mais longo do que aqueles cogumelos típicos que costumamos ver e fazem a decomposição da matéria orgânica também”.

Cuidados a ter na colheita

Um dos cogumelos mais conhecidos e consumidos em Portugal, o míscaro, atualmente é rejeitado como comestível, uma vez que possui uma toxina que, por acumulação no organismo, pode provocar a rabdomiólise, uma doença caracterizada pela destruição das fibras musculares.  Nesse sentido, Rui Simão alerta para uma identificação de fungos cuidadosa e nunca com recurso a “mesinhas caseiras”.

Em primeiro lugar, o cogumelo deve ser retirado o mais completo possível do solo: “Há cogumelos que têm membranas que ficam enterradas no solo e temos que as retirar”, afirma o micólogo. De seguida é essencial observar, com atenção, todas as características macroscópicas, como “a cor, a forma do chapéu, se o chapéu é viscoso e se a cutícula, a pele que se encontra na parte superior do cogumelo, se separa ou não do chapéu e até onde”, descreve Rui Simão. “A parte inferior, o himénio, onde são produzidos os esporos, se tem lâminas, tubos, agulhas ou pregas. Depois, como é que o pé é inserido no chapéu, se é central ou descentrado, se não tem pé. O tipo de pé, se é muito fibroso ou mais carnoso”, acrescenta. O cheiro do cogumelo, bem como a sua prova, também são essenciais para a identificação das espécies, pois ajuda a compreender se são amargos, ácidos ou doces e, principalmente, se são comestíveis.

Ainda assim, o cuidado com a colheita não se limita à identificação das espécies venenosas. A preservação do ecossistema também é crucial. “Quando apanhamos cogumelos, devemos cortar o pé e deixar o restante no solo, garantir que o micélio possa continuar a crescer e gerar novos frutos no futuro”, sugere o especialista. “Depois tiro a cutícula, limpo, não passo por água para não hidratar demasiado os cogumelos e é só meter no cozinhado”, acrescenta. 

Fungos com potencial medicinal

Para além da sua importância ecológica, os fungos também podem ser utilizados para fins medicinais. Espécies como o Shiitake ou o Reishi, cujo nome botânico é ganoderma lucidum, são, segundo o especialista Rui Simão, importantes para o nosso sistema imunológico, tal como para a nossa energia: “São espécies que ajudam a criar resistências no nosso organismo para enfrentar algumas doenças”, esclarece. Por outro lado, a espécie Trametes versicolor pode ser aproveitada no combate a doenças oncológicas.

O Parque Florestal de Monsanto é, desta forma, um verdadeiro laboratório para o estudo dos cogumelos e os seus múltiplos papéis na natureza. Com a diversidade de espécies e as relações simbióticas entre fungos e árvores, o Parque não é só um refúgio para a fauna e flora, mas também um local de estudo e descoberta.

última atualização: 24.03.2025