Eixo Almirante Reis
Uma história em 5 fases
Para uma melhor compreensão da evolução histórica, recorremos às fases de execução recentemente sintetizadas num capítulo dedicado do "Atlas Almirante Reis" 1, trabalho atual e de referência a partir do qual extraímos, criticamente e em súmula, o seguinte faseamento:
Fase I (1554-55) - Rua Nova da Palma
Os limites medievais da cidade
Definidos nesta área pela Cerca Fernandina (1373-75), a muralha defensiva urbana que atravessava o terço sul da atual Praça do Martim Moniz, não permitam um escoamento eficaz do tráfego de saída e entrada na cidade. No século XVI, o eixo principal de circulação encontrava-se no enfiamento da Porta de São Vicente, Rua da Mouraria e prolongada para Norte pela Rua do Benformoso e pela Rua Direita dos Anjos.
Alargamento da Rua Nova da Palma
A iniciativa urbanista dos cónegos de São Vicente de Fora que levou à abertura de um novo postigo e à criação da Rua Nova da Palma (posteriormente alargada em 1776) nos terrenos das suas hortas, associada à oportunidade de novos loteamentos e à necessidade de uma via alternativa de entrada e saída nesta concorrida zona da cidade, está na génese da regularização do eixo viário que viria a entalhar o vale setentrional.
Fase II (1858-1860) - Da Rua Nova da Palma ao Largo do Intendente
Prolongamento da Rua da Palma até ao Largo do Intendente
Não havendo ainda nesta altura a intenção de abertura de uma grande avenida, surge uma nova necessidade de prolongamento da Rua da Palma até ao Largo do Intendente. O objetivo era desanuviar a Rua do Benformoso, a principal via de acesso através do arruinado e insalubre bairro da Mouraria.
Este prolongamento, que se iria ligar às fossilizadas ruas dos Anjos e de Arroios, criou, embora sem pressuposto expansionista, o alinhamento que será futuramente seguido na Avenida dos Anjos/ Avenida Almirante Reis.
Projeto de reconversão da sua área ocidental
No entanto, a grande alteração urbana nesta área da Mouraria verificou-se com o projeto de reconversão da sua área ocidental, iniciada em 1946, com a demolição do Palácio do Marquês do Alegrete, já muito degradado. Seguiram-se posteriormente outras demolições de edificado que iriam dar forma à atual Praça do Martim Moniz.
Fase III (1877-1903) – Da Avenida dos Anjos até à Estrada da Circunvalação
Mudança na visão do planeamento urbano, com base nos cânones haussmanianos da organização e expansão da cidade
A partir da década de 60 e 70 do século XIX, opera-se uma mudança na visão do planeamento urbano, com base nos cânones haussmanianos da organização e expansão da cidade, destacando-se neste contexto o traço e as ideias modernistas de Frederico Ressano Garcia.
Enquadrada no plano geral de renovação do desenho da cidade, a par da Avenida da Liberdade, a “Boulevard” de luxo arborizada, e do Plano das Avenidas Novas, a Avenida dos Anjos (Avenida Rainha Dona Amélia, a partir de 1903, e Avenida Almirante Reis, após a implantação da República), surge com um plano integrado de novos arruamentos subsidiários e de promoção imobiliária nas suas zonas adjacentes, que se estendia até à Estrada da Circunvalação (estrada militar, fronteira administrativa e fiscal da cidade), na interseção da atual Praça do Chile.
Devido à incapacidade municipal de gerir as dificuldades inerentes ao processo, foram surgindo iniciativas privadas de urbanização, que acompanharam o plano estruturante, como, por exemplo, o Bairro Açores, o Bairro dos Castelinhos ou o Bairro Andrade, este contruído por um proprietário de terrenos locais (pondo às rua os nomes das senhoras da sua família).
Instalado o Bairro das Colónias e a desmontagem e reconstrução da Igreja dos Anjos
Posteriormente, já na década de 30, seria instalado o Bairro das Colónias (atualmente o Bairro das Novas Nações) numa zona baixa e alagadiça, correspondente à área até então conhecida como “Charca”.
De uma forma geral, o projeto da Avenida dos Anjos seria de demorada execução, devido às dificuldades de expropriação de terrenos. Embora tivessem sido respeitadas as preexistências, houve lugar a intervenções de maior envergadura, como foi o caso da desmontagem e reconstrução da Igreja dos Anjos, anteriormente instalada na estreita Rua do Anjos, num novo local da recente artéria. Os constrangimentos à circulação causados por preexistências não estavam totalmente ultrapassados, visto que só nos finais da década de 20 se iria proceder o alargamento definitivo da Rua da Palma.
Fase IV (1927-28) – Prolongamento até à Alameda Dom Afonso Henriques
Malha urbana mais reduzida, pouco regular e com um desenho menos coerente
As indefinições e condicionantes existentes nos diversos projetos da década de 20, nomeadamente o desenho urbano ainda de forte influência oitocentista, a previsão de instalação de infraestruturas ferroviárias na zona, a Nordeste, ou do Mercado de Arroios, a Este, iriam resultar numa malha urbana mais reduzida, pouco regular e com um desenho menos coerente, como se pode apreciar na divergência da Rua Guerra Junqueiro, a qual viria a ser integrada na malha do derradeiro troço da Almirante Reis.
Harmonizar e articular as Avenidas Novas com a Almirante Reis
A execução deste troço da avenida, que só pode avançar no terreno após a expropriação da cerca do antigo Convento de Arroios (na altura Hospital de Arroios), tinha o objetivo inicial de entroncar o novo eixo com a antiga Estrada de Sacavém.
Este plano, pós queda da Primeira República, procurava harmonizar e articular as Avenidas Novas com a Almirante Reis (aqui encarada como uma via incorporadora de futuros planos) através de uma via radial prolongada para o lado oriental desta, dando-se enfoque ao desenho simétrico da envolvente ao Instituto Superior Técnico e à Alameda.
Fase V (1938-1946) – Prolongamento até à Praça do Areeiro
Desenho alargado dos restantes quarteirões do Bairro do Areeiro, com bolsas de descompressão, como a Alameda e a Praça João do Rio
Embora este último troço já estivesse esboçado desde 1928, desse plano apenas restou a configuração do Bairro dos Atores. Mesmo com os habituais constrangimentos e preexistências resultantes do plano anterior, e sobretudo a manutenção dos 25 metros de largura na avenida, o desenho alargado dos restantes quarteirões do Bairro do Areeiro, com bolsas de descompressão, como a Alameda e a Praça João do Rio, a que se soma a coerência arquitetónica dos edifício, conferem uma visão cenográfica e mais burguesa desta área, distinta da restante avenida para Sul.
Criação da Praça do Areeiro
A criação da Praça do Areeiro tornar-se-ia um símbolo da operação de remodelação urbana na cidade de Lisboa. Este acabamento visual ao eixo viário definiria um marco a quem chegasse à cidade vindo do também recente Aeroporto da Portela. Este espaço teria que ser monumental e grandioso, na mesma lógica da criação da Alameda e da Fonte Luminosa, tornando o Areeiro uma verdadeira entrada em Lisboa.
1SILVA, Hélia et al. (2020) – “Almirante Reis: (como construir) uma avenida em seis etapas”.
In RAMALHETE, Filipa; CONCEIÇÃO, Margarida Tavares da; LOBO, Inês (coord.), Atlas Almirante Reis. Lisboa: Tinta da China, pp. 14-39.